As formigas começaram a sair de suas casas para ver o sol.
Com pernas de agulhas, elas foram caminhando devagar.
A estação marrom estava pronta para receber as famílias que, aos poucos, descarregavam suas
bagagens adocicadas. Algumas tinham mais, outras menos. Um desequílibrio sem fim.
O trem damasco se encontrava na plataforma B.
Aos poucos a escada rolante, os banheiros e as filas ficaram entupidos.
Lá de cima se enxergava o tabuleiro de damas do tio Zeca. As formigas, o preto, os doces, o branco.
A montanha alta era o meu lugar.
Tão superficial e vazio.
Tão sem ação.
Depois de olhar aquelas loucas, resolvi descer.
Foi incrível.
Algumas não tinham visão. Mas, as formigas que conseguiam ver auxiliavam as outras.
E assim, decidi ficar para ver os milhares de olhos, mesmo que estes não carregavam o poder da divindade funcional.
Eu vi todo aquele cartesianismo morrer.
Eu vi aquela aura mêcanica ir embora.
"Esse é Bernardo. Bernardo da Mata. Apresento.
ResponderExcluirEle faz encurtamento de águas.
Apanha um pouco de rio com as mãos e espreme nos vidros
Até que as águas se ajoelhem
Do tamanho de uma lagarta nos vidros.
No falar com as águas rãs o
exercitam.
Tentou encolher o horizonte
No olho de um inseto - e obteve!
Prende o silêncio com fivela.
Até os caranguejos querem ele para chão.
Viu as formigas carreando na estrada 2 pernas de ocaso
para dentro de um oco... E deixou.
Essas formigas pensavam em seu olho.
É homem percorrido de existências.
Estão favoráveis a ele os camaleões.
Espraiado na tarde -
Como a foz de um rio - Bernardo se inventa...
Lugarejos cobertos de limo o imitam.
Passarinhos aveludam seus cantos quando o vêem."
MANOEL DE BARROS n'O GUARDADOR DE ÁGUAS
* se vocÊ gosta de formigas, deve gostar de manoel de barros.