terça-feira, 26 de outubro de 2010

O menino-menina

Achei um ensaio bacana que eu fiz nos arquivos da faculdade!




Quando nascemos, somos observados pelos nossos pais, médicos, tios e vizinhos. Digamos que se tem uma análise aprofundada sobre nosso corpo como um todo. E assim, as pessoas perguntam: ele/ela é saudável? O nariz é parecido com o seu? E os órgãos genitais? É claro que a última pergunta é feita diferente, pois existem várias denominações que nós mesmos criamos para definir “as coisas lá de baixo”. Posteriormente, ganhamos roupas amarelas, azuis ou rosas. Para os meninos, se os pais tiverem certeza do sexo, o azul. Já para as meninas, o rosa. E se estiver na dúvida, o amarelo. Quantas convenções e normas, tudo isso estabelecido antes mesmo de olharmos para o mundo. Vamos crescendo, e cada vez mais, fechados em nossas roupas, nomes, papéis, com os quais nos definem por inteiro, tanto exteriormente quanto interiormente. Mas será que, por exemplo, numa pequena cidade francesa alguma pessoa, criança ou adulto fugiu da heteronormatividade imposta ao longo dos anos, desde que o homem, a mulher e a maça foram descobertas? O pequeno Ludovic, um menino de sete anos, irmão de outros dois meninos e uma menina, filho de Hanna e Pierre, tem um corpo biológico anatômico e funcional masculino. No entanto, aos poucos e conscientemente, ele se sente como uma menina que tem desejos eróticos por um vizinho chamado Jerone.

Ludovic pulou o círculo das normas, ele era uma “menina” daquelas que gostava de batom, vestidos e sandálias da avó. Numa cidade do interior, onde os homens são chefes de família e mulheres dona de casa, o “menino-menina” destoava-se da comunidade em geral, dos irmãos e amigos da escola.

Diante disso, podemos nos indagar: a normatividade é quem direciona para um não seguimento da ordem e dos costumes estabelecidos? É ela quem abre as portas para uma desconstrução e diferenciação do gênero? Para Arán e Júnior:
(...) uma “verdade sobre o gênero" revela antes uma ficção reguladora. Além disso, se para que essa ficção permaneça é necessário uma repetição reiterativa, podemos pensar que a aproximação de um ideal de gênero – masculino ou feminino – nunca é de fato completa, e que os corpos nunca obedecem totalmente às normas pelas quais sua materialização é fabricada. Nesse sentido, é justamente pelo fato de a instabilidade das normas gênero estarem abertas à necessidade de repetição do mesmo que a lei reguladora pode ser reaproveitada numa repetição diferencial (ARÁN; JÚNIOR, 2007).

Percebe-se na história que Ludovic era dispare das pessoas que estavam próximas a ele. O menino reproduz seus desejos imitando o comportamento e atitude de sua mãe e de sua avó. Além disso, demonstra a vontade de se casar com Jerome, seu vizinho. Depois que os pais perceberam sua conduta “anormal”, eles o levaram numa psicóloga. Mesmo ouvindo conselhos e afirmações dos pais e irmãos, de que era um menino, ainda sim, o garoto não compreendia seu bel-prazer. A omissão dos pais em manter um diálogo, faz com que Ludovic não entenda seu conflito interior. Para ele, seu desejo era natural. E por isso, acreditava que um dia Deus iria trazer o X que lhe faltava para se tornar menina. Dessa forma, Ludo percebe a difícil relação entre sua identidade de gênero e seu sexo anatômico. Para a família e vizinhos, esse desvio era inaceitável, pois os comportamentos do menino eram atípicos e destoantes dos padrões sociais aceitos e valorizados. A crença da família de Ludovic era baseada na sexualidade humana biológica, deixando de entendê-la como uma construção social, cultural e histórica. Diante disso, os costumes heteronormativos da família eram legitimados e enraizados constantemente. O silêncio dos parentes e irmãos demonstrava o não entendimento perante o diferente. Aos poucos, o estigma dado a Ludo percorre toda a família. Com o passar do tempo, sua mãe tenta compreender os desejos do filho e se caracteriza como ele, participando de suas fantasias.
O “menino-menina” demonstra que é possível se deslocar por entre e além das convenções. Dessa forma:
Se o gênero é uma norma, não podemos deixar de lembrar o que há de frágil na sua incorporação pelas subjetividades. Há sempre uma possibilidade de deslocamento que é inerente à repetição do binarismo masculino-feminino. Não é à toa que, como afirma Butler, expressões tais como "problemas de Gênero", "gender blending", "transgêneros" e "cross-gender" já sugerem o ultrapassamento deste binarismo naturalizado (BUTLER, APUD, ARÁN;JÚNIOR, 2006, p. 60).

A história de Ludo é ficcional. O cinema nos transporta para o mesmo ambiente do “menino-menina”, fazendo com que as cenas que aparecem na tela sejam também nossa realidade, mesmo que por algumas horas.
Assim, pode-se perceber o quão frágil são todas as normas impostas, diante dos desejos que nos invadem. 



Um comentário:

  1. tudo é frágil demais. eu acho tão engraçados e assustadores esses círculos viciosos que a gente cria.


    já leu o segundo sexo?

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