quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Coisa de gente



     "Te mando retalhos de amor"  (Caio Fernando Abreu)

Eu amei, tenho que confessar. O tempo não fez nada, nós nos deixamos e fomos pequenos demais . Eu sou pessimista, eu amei. E se tivéssemos feito um cronograma de viagens? Ora, nada disso adiantaria, amar é estar e mais alguma coisa que eu não sei. Eu não estava. Dissimulei. Eu menti pra mim, pra você. Fui um boêmio e essa palavra já explica tudo.

Eu olhava aquele enxame de mulheres caminhando para si mesmas, uma liberdade que jamais tive. Mas eu ainda tinha o seu cheiro em mim e fui ficando e me tornando pássaro. E quanto mais eu plantava meus pés ali, o seu perfume, ao poucos, seguia outro rumo. Lembro que havia uma escada de madeira pobre e o cheiro me convidava de tal maneira que eu me entregava aqueles lençóis encardidos, aquela música brega de fim de noite. 

O amor abre tantas portas. Eu sentia ódio. Ódio da sua cara e da sua maneira de olhar as coisas. Você mirava de soslaio, eu nunca gostei disso. O problema é que você amava incansavelmente o seu espelho, por consequência, eu também fui buscar o meu num banheiro sujo de esquina perto da rodoviária. 

Eu separava os mundos. As pessoas não entendiam, mas eu fazia desenhos no ar e polarizava você e eu. Meu desejo era meu e de mais ninguém. Por que sempre temos que falar de nós? O amor é meu, o amor é seu. Mais a gente insistiu no nosso amor e eu sei lá, eu quis sair de nós. Eu necessitava abrir a geladeira com as minhas mãos e passar a manteiga no pão. Eu não queria passar minha camisa, entende. Mas isso faz tanto tempo e eu já não desenho quadrados. Gosto de círculos. Polarizar é esconder e já não falamos disso na academia. 

Eu amei, eu te amei. Os anos passaram. Você deve estar trabalhando num escritório cinza e entupido de mares-de-morro de papéis. Lembrei das estradas argentinas, de um lado soja, do outro soja. Sua mesa, penso eu, deve ter flores coloridas e você também foi pintada de cores fortes. A cidade de Salta (La Linda) tem montanhas, mas não são similares as nossas. Eu escrevo o que me vem. O Rodrigo acabou de tomar banho, mas você não o conhece. Eu tenho me apaixonado pela vida. Joguei minha gravata fora e comprei um chinelo marrom. 

Eu não gostava de te trair. Mas eu privilegiei meus desejos, os meus e só meus. Eu não dividi nada com ninguém, nem carícias, nem beijos, tampouco amor. Eu queria tudo pra mim, eu comi tudo de uma só vez. Confuso, complexo, contraditório, eu sei. E quando a gente combinava de jantar e no meio do caminho você desistia. Eu começava a rir e pensava: isso é coisa de gente. 

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