terça-feira, 2 de outubro de 2012

Eu sei que cheiro a Bolívia tem: lhama.

Depois de alguns dias em La Paz, num hostel localizado no centro velho da capital, minha tristeza aumentava. Próximo do Natal, ali, no centro velho, tudo cheirava a pobreza, menos nós, que nos deliciávamos no calor borbulhante de uma jacuzzi. Que ironia. Pedíamos cervejas e mais cervejas. Pernas brasileiras e espanholas se deliciavam nas bolhas pulsantes que faziam cócegas em nossas costas, no corpo todo. Merecedor? Não sei. Sentia uma cansaço, queria ao menos alguns segundos de conforto. Depois de subir o norte argentino, estava exausta. Um paradoxo e eu sempre pensando no que estava fora e dentro de mim, a rua. Minha cabeça fritava. Jacuzzi, pobreza, jacuzzi, pobreza...

Éramos os únicos que alegravam aquele albergue inflamado de gringos. Franceses, alemães e nós, gringos: brasileiros e espanhóis. Mas havia uma diferença absurda nos sorrisos, nas falas, nos olhares. Uma aproximação e nada.

Um brasileiro do sul trabalhava como garçom no bar do hostel, mas demorei um pouco para descobrir sua nacionalidade. Depois conversamos, trocamos experiências. Lembro que ele tinha uma cara cumprida, os olhos grandes e era magrelo. Ele queria voltar para o Brasil, estava cansado de rodar de hostel em hostel. Eu e Miguel, um grande amigo mineiro, escutávamos sua história viajante.

Percebia minha euforia interna sobre rodar e rodar de hostel em hostel, de escapulir e não voltar mais,  assim como ele. E, naquele momento, tudo fazia sentido. Planejava meu futuro próximo:
- então é isso, pego uma mochila, dinheiro e pronto. Um vida com línguas diversas. Tudo êfemero, tudo. As pessoas, os lugares, a celeridade dos passos, desencontros, linhas que iam se formando no meu mapa da vida. Uma rebuliço de conexões, eu no barco, eu no mundo e para o mundo.
Passado o sonho, seguimos para o centro novo.

La paz é a cidade 360. Imagine o Rio de Janeiro e as favelas. Agora pense em montanhas gigantes, um círculo, um buraco no meio. Pense nas casas empuleiradas, uma em cima da outra. Milhões. Todas de cor marrom, todas. Pense na favela da rocinha e todas as luzes que acendem quando a noite chega. Agora, triplique, eleve a mil.

Uma cidade paradoxal. O centro velho e o centro novo. Camelôs, calcinhas, comida, sujeira, ladeiras, casarões antigos, mistura de músicas, trânsito, rincões, dinheiro, um carnaval fora de época, um carnaval, para mim, sofrido. Shopping, quase Natal, frango, arroz, chuva, carros modernos, ruas largas, dinheiro, money, gringos, billetes, real, presentes.

Tanta loucura, meu deus. Eu estava feliz, claro. Era só uma maneira de viajar como um "pensageiro", palavra de Mia Couto. Era só um jeito de não ficar louca. Era só uma forma de pensar na América Latina, me colocar. De fato, eu não quero escrever esse relato de maneira a camuflar um sentimento de "sujeira" que existe na América do Sul. Não quero "tirar os mendigos da rua" se é que vocês entendem.

Nossa história têm rugas antigas e profundas, cortes imperialistas. E uma brutalidade que marca qualquer "pensageiro" que tem a proposta e sensibilidade para ver, para olhar além das compras de Natal. Lembro que estava na rodoviária de La Paz partindo para Copabacana, rumo ao lago Titicaca, e saí para fumar um cigarro, uma mulher me parou e pediu para olhar suas malas. Quando ela voltou, pedi que me desse uma entrevista falando sobre a Bolívia, ela topou. Perguntei a ela sobre Potosí e ela disse com os olhos de fogo: - Potosí deu muito ao mundo e o mundo deve muito a Potosí.

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